Texto IV
“ NO ASTRAL INFERIOR.
O VALE DA REVOLTA”
__” Sérgio, agora vamos dar uma chegada ao Vale da Revolta, convidou-nos Ísis.
Agradeci e a acompanhei em silêncio. Juntamo-nos aos outros e ganhamos estrada. À medida que nos aproximamos do vale, a vibração ia caindo. Era sufocante. Andávamos com dificuldade. Uma neblina enfeiava a paisagem. O ruído do vento pareceu-me propício para abafar os gritos estridentes. À certa altura, dentro da neblina, apareceu um ponto luminoso. Destacou-se, então, uma pequena cabana, onde frei Quirino nos aguardava. Ele e outros espíritos eram os guardiões do lugar. A pequena casa, toda iluminada, era como uma estrelinha em noite tormentosa. Ficamos por algumas horas e nos retiramos com sua bençãos de paz.
__ Os trevosos não os molestam? Indaguei a Kelly.
__ Não, ao contrário, respeitam-nos. Muitos, cansados de sofrer, aqui vêm pedir ajuda. Esta casa é um pequeno hospital.
Andamos ainda mais um pouco, enfrentando uma atmosfera asfixiante de longe avistamos o Vale. Casas corroídas pelo tempo, praças sem jardins, davam a impressão se uma cidade fantasma ou bombardeada.
Chegamos a passos lentos e só então compreendi por que na casa de frei Quirino recebemos um tratamento de luz, que revestia os nossos perispíritos de uma matéria grosseira, capaz de nos proteger na tarefa que íamos desempenharmos. Até os outros companheiros me pareceram estranhos.
Entramos na cidade, ou melhor, na vila. Pelas ruas encontramos mulheres correndo como loucas, com os cabelos em desalinho. Estavam grávidas e víamos o feto como se galopasse dentro dos seus ventres. O mau cheiro era terrível e o nosso caminhar muito penoso. Era como se estivéssemos atolados na lama. Aquela cidade parecia gelatinosa.
__ Como surgiu este lugar? Indaguei. Não creio que tenha sido obra de Deus!
__ Claro que não. Esta cidade é composta de emanações inferiores, portanto, de acordo com os espíritos culposos que aqui se encontram. Saiba, Sérgio, que
eles não foram trazidos para cá e, sim, atraídos pela vibração perispiritual de cada um.
“Que lugar tenebroso”, pensei. Encontramos um Senhor de seus quarenta anos, com o perispírito todo deformado. Mais parecia um cabide de espíritos, tamanha a quantidade de irmãos que nele se grudaram. Completamente dementado, gritava:
__ Eu sou o doutor…, deixem-me em paz, seus vampiros sujos!
Assim era aquela vila: morada de mentes perturbadas, cujos perispíritos eram compostos de toxinas, formando uma crosta ácida e viscosa, que os alucinava. Passamos por eles mas não éramos percebidos.
Nossa equipe orava em silêncio. Quando pude falar, perguntei:
__ Este vale é composto só de aborteiros?
__ Sim, e de algumas mulheres e homens que, sem piedade, abusaram do direito de possuir um corpo físico.
__ Mas é terrível este lugar! Igual a este vale só o vale dos suicidas.
__ Tem razão, Sérgio, são os mais tenebrosos lugares do astral inferior, decorrentes dos crimes contra a vida. Os aborteiros são os piores inimigos da vida, cruéis exterminadores dos sonhos daqueles que aspiram a reencarnar.
Calei-me. Meu coração sofria ao presenciar o horror em que vive um aborteiro no mundo espiritual. Bem perto de nós, debatia-se, envolto por dez espíritos obsessores, um aborteiro, que chamarei de Célio. Tentamos ajudá-lo, mas sua forma, que não podemos dizer humana, tal a deformação perispiritual, toda gelatinosa, arrastava-se pelo solo negro e viscoso, movendo-se com dificuldade, ainda mais por carregar junto a si seus verdugos, também muitos deles ainda na forma fetal, no ponto da interrupção da gravidez. Em Célio só havia a fisionomia sofredora, o resto do seu corpo não possuía forma humana. Destacava-se nele o semblante sofredor. Mais parecia um verme, lutando para se livrar dos seus verdugos, que lhe sugavam sem piedade. Célio me pareceu um enorme feto, tendo a cabeça humana deformada, e, colado nele, as suas vitimas. Assim como Célio, ali estavam vários outros aborteiros que contribuíram não só para retardar o plano de Deus para a reencarnação, como também prejudicaram seus próprios corpos. Falei:
__ Quem diria que o grande e famoso médico do passado hoje é uma massa gelatinosa de emanações repugnantes! O seu perispírito deformado é tão indefeso quanto ontem eram as sua vitimas! __ murmurei, perplexo.
Assim, fomos varando aquelas ruas, onde os seres se arrastavam no solo escuro e escorregadio, muitos ainda levando as suas vítimas que não os perdoavam. Olhei para o solo e dei graças a Deus por volitar. Nossos pés não tocavam aquela massa infecta do astral inferior. Perguntei a Misael:
__ E aquelas mulheres? Não estão deformadas…
__ Elas também foram vitimas, mesmo assim estão sofrendo muito.
“Que lugar estranho, muito estranho. Aqui é pior que o inferno”, pensei.
__ Eles serão socorridos?
__ Quando se reequilibrarem mentalmente. Só eles mesmos poderão nutrir positivamente os seus perispíritos. Não se esqueça de que a aura espiritual é que capta a luz do mais alto e uma mente ligada ao ódio não se alimenta de lus e, sim. De vibrações baixas. É como se suas rodas energéticas estivessem queimadas, pois eles apenas se alimentam da violência do astral inferior. O perispírito vai ficando necrosado pelo desequilíbrio do espírito e a veste, que nos espíritos bons é luminosa, nesses verdugos é acida, viscosa e informe.
Enquanto conversarmos, uma ave horrível passou sobre nós, em vôo rasante.
__ Que bicho é esse?.. perguntei, assustado.
Zeus respondeu:
__ São as aves das zonas inferiores.
__ Perdoe-me a pergunta, mas nessa ave existe um espirito em evolução, como notamos nas varias espécies dos reinos da natureza?
De Misael veio a resposta:
__ Não, não existe. Deus seria injusto se colocasse uma centelha de luz num ser tão horripilante.
__ Mas elas são aves…
__ Essas aves foram criadas pelas mentes humanas e têm vida curta. Elas são formas pensamentos, mas que prestam um real serviço a estes espíritos, pois são elas que, para sobreviverem, necessitam absorver as sujeiras dos seus perispíritos. Estas toxinas que causam dores e dificultam os seus movimentos alimentam estas aves, como outras mais. Como vê, elas, mesmo possuindo forma horrível, são úteis a este vale.
__ Meu Deus, quanto sofrimento! Até parece o inferno.
__ O inferno não existe. Aqui eles recebem auxílio, pois não há penas eternas.
__ Irmão, quanto tempo demoram neste sofrimento?
__ Só o tempo de drenar os fluidos negativos que aderiram ao perispírito.
__ E os nossos técnicos não podem fazer isso para aliviar o sofrimento deles?
__ Não. Os técnicos só podem ajudá-los na hora certa, quando eles merecem.
__ Coitados! E quando isso ocorrerá?
__ Luiz, Deus é bom, tanto é que eles, os gananciosos, cruéis verdugos de anjos, recebem auxílio do Pai, neste vale. Por isso, Sérgio, estamos aqui, para tentar levar alguns para os hospitais.
Fiquei meio sem jeito.
__ Tem razão, Deus não desampara Seus filhos, nós é que ainda não entendemos seus desígnios. Notei amigo, que uns estão piores que outros.
__ Muitos chegam a um pior aspecto de deformação por praticar maior número de abortos. Célio chegou a fazer cinquenta por dia.
__ Que? Cinquenta? È matar demais!
Nisso, avistamos Leocádio. Era uma larva humana e junto a ele vários rostos deformados. Leocádio xingava demais. Era bem visível em sua fisionomia as torturas que sofrera, mas mesmo assim não parava de esbravejar:
__ Se preciso for, voltarei a matá-los, a todos, seus fetos imundos! Deixem-me em paz, estou cansado de tê-los junto a mim!
Ísis, aproximando-se de Leocádio, foi chamando pelo nome um por um dos abortados e eles foram depreendendo-se da massa gelatinosa, como quando se joga inseticida numa planta e caem os parasitas. Assim também foram caindo sobre o aparelho que Ísis tinha nas mãos. Ela conseguiu retirar de Leocádio uns vinte espíritos, que Ísis fez adormecer com amor. Leocádio, com voz orgulhosa, falou:
__ Obrigado, colega. Agora, ajude-me a voltar a ter um corpo humano. Não sei por que Deus permitiu que esses fetos imundos me atormentassem tanto. Só fiz o que os pais me pediram, nada mais. Sou um profissional, montei uma das melhores clinicas abortivas, na grande São Paulo, dando todo conforto à gestante. Não acha mais nobre tirarmos as mulheres das mãos das curiosas aborteira? Na clínica, a mulher recebe toda assistência, o que não acontece em casas de curiosas. Agora, não sei por que, vejo-me junto a esses fetos malcheirosos. Eu, o doutor Leocádio, eminente médico brasileiro…
__ Irmão, como médicos, temos por dever lutar pela vida eu irmão, quando escolheu a sua profissão de médico, bem sabia que teria de consagrar o seu trabalho à saúde e ao prolongamento da vida física de seus pacientes. Interromper uma gravidez é extinguir vida humana em sua fase embrionário, é tolher o plano divino, que prepara as almas para cumprir sua etapa no mundo físico.
__ Pensei que fosse médica, mas pelo visto é mais uma fanática religiosa.
__ Engana-se, irmão, sou uma filha de Deus que se esforça para servir a todos os que de mim precisam.
__ Deixemos de conversa e me ajude. Quero só a forma humana.
Sobre isso eu nada posso fazer, o seu corpo está deformado pelo ódio no seu coração, e ele é o seu cirurgião plástico. Por enquanto, o irmão não tem condição de moldar um novo corpo humano. Até lá, será prisioneiro dessas terríveis deformações perispirituais. Não será Deus, nem seremos nós, os médico mensageiros, que iremos livrar-lhe dessas lesões perispirituais. O seu corpo verdadeiro, o criado por Deus, está latente dentro dessas deformações. Só depende do seu coração ressuscitá-lo.
__ Mas eu não suporto mais este sofrimento…
__ A quantos espíritos o irmão negou um corpo? Por isso hoje o seu é esta massa gelatinosa, composta de fluidos repugnantes. Se ficar livre do orgulho, os fluidos divinos logo o envolverão.
Ísis afastou-se, levando consigo os espíritos que antes atormentavam Leocádio para que frei Quirino pudesse ajudá-los até a chegada de socorro. Assim, muitos espíritos foram separados dos seus algozes, mas nem por isso se sentiram reconfortados. Pensei que iríamos voltar, mas o grupo adentrou um pátio também de feio aspecto. Fomos recebidos por Coral, uma estranha mulher que ali prestava auxílio. Não era espírito evoluído, mas se propusera a ajudar os outros. Recebeu-nos com respeito. Os seus auxiliares eram todos mulheres que passaram por aquele vale composto de aborteiros e mães assassinas. Coral nos contou sua vida: fora enfermeira e, por dinheiro, praticara abortos. Quando desencarnou foi para o vale, onde conheceu a verdadeira dor. Ao se ver livre de algumas aderências espirituais, propôs-se a ajudar os outros e dali não mais saiu. Ela, com sua equipe, prestava auxílio e, quando o sofrimento aumentava, pedia socorro. Por isso ali estávamos. Coral caminhava com dificuldade e falava com a língua enrolada, mas mesmo assim já estava trabalhando para Deus. Levou-nos a um pavilhão, onde vários espíritos, completamente deformados, gritavam e brigavam entre si.
Zeus, Misael e Kelly prestavam auxílio, retirando os fluidos negativos daqueles perispíritos sem forma. Para se aproximarem daqueles aborteiros, os nossos médicos se revestiram de um jaleco da cor violeta. À medida que eram cuidados, eles vomitavam sobre os médicos e estes, com carinho, iam-lhes aliviando os sofrimentos.
Nós, os não médicos, orávamos em silêncio, juntamente com Coral e seus auxiliares . Éramos almas irmanadas, lutando para caminhar na estrada estreita de Jesus.
Mais tarde, fomos convidados a nos retirar, ficando somente os médicos. Lá fora, não pude deixar de olhar aqueles seres disformes, quase que rolando no charco infecto. Aquele local mais parecia um pântano da dor: nada de flores, nem frutos, nem água, só dor e o desespero.
__ Será que aqui tudo é sempre assim, nublado e sem sol, Hápila?
__ Dizem que sim.
Nesse momento, passou por nós uma revoada de aves gigantesca, cujo ruído assustou os aborteiros. Levantei os olhos, para melhor analisá-las.
Um dos trabalhadores daquele vale esclareceu-nos:
__ Elas recolhem os miasmas pesados; são os sanitaristas deste lugar. Os habitantes daqui não portadores de bos fluidos, que fazem germinar as sementes e colorir os jardins de flores. Precisamos destas aves para a limpeza mental de toda área. Acreditamos que um dia este vale será transformado em uma colônia de socorro.
__ O que é preciso para que isso aconteça? Perguntei.
Logo veio a resposta:
__ Que os encarnados se conscientizem de que ninguém pode retardar o plano de Deus. É necessário abolir os abortos da face da terra. Só assim não teremos os vales de sofrimento.
__ Estarei, irmão, orando para que Deus nos ajude a incendiar com a chama do amor todos os lugares tenebrosos dos mundos físico e espiritual.
Abri as escrituras e caiu Miquéas, Cap. VI;
Caminho da Salvação. “
Uruaçu, 13 de outubro de 2011.
Na próxima semana postaremos o texto seguinte.