Moradores de município do Norte do Estado se recusam a falar sobre prefeito que matou seu antecessor

Túmulo do ex-prefeito Geraldo Nicolau Filho, o Curica

Na casa verde clara de portão e janelas brancas, a aparência é de harmonia e calma absoluta. Lá dentro, no entanto, o clima é de dor e perguntas. A família está reunida em uma dolorosa agitação. Os parentes se dividem entre as salas, quartos e cozinha, preparando as fotos que serão exibidas durante a missa de sétimo dia da morte de Geraldo Nicolau Filho, o Curica, empresário e ex-prefeito de Estrela do Norte, executado no pátio de um motel no município de Mara Rosa, no dia 1º de outubro, num enredo policial de mistério, suposta traição e política.
O crime mudou tudo na calorenta cidade de 3,3 mil habitantes no Norte de Goiás, a 365 quilômetros de Goiânia: a rotina, o comando político, a tranquilidade de suas praças. O POPULAR esteve no município e percebeu a tensão e o medo que tomam conta dos moradores. Ninguém quer falar sobre o assunto abertamente e as rodas de conversa se dissolvem rapidamente quando a reportagem chega.
Na esquina do mercado, de frente para a Prefeitura, um grupo de oito homens conversava animadamente na manhã de quarta-feira. Quando a reportagem se identificou e perguntou sobre a morte do ex-prefeito, eles disseram que preferiam não comentar o assunto e foram saindo um a um. “É melhor nem falar. Aqui é complicado, tem muita marcação”, disse um deles antes de montar na bicicleta e partir.
Do outro lado da prefeitura, na entrada do Centro de Referência de Assistência Social (Cras), as pessoas que papeavam até a hora da aproximação da equipe do POPULAR, de repente, se diziam ocupadas e saiam com a desculpa que precisavam cuidas dos afazeres. A cena se repetiu nas portas de outras casas e comércios. “Não sei de nada”, “não tenho o que falar de nenhum dos dois (prefeito e ex-prefeito)” e “prefiro não falar desse assunto” foram as respostas mais ouvidas.
O medo da repercussão das opiniões era evidente também entre os funcionários da prefeitura. Até o vice-prefeito da cidade, Baltazar Jose Boaventura (PT), o Bata, não quis atender a reportagem. Disse que não tinha nada para falar do assunto e deixou a prefeitura pelos fundos, no fim da manhã, para evitar ser entrevistado.
Baltazar assumiu a prefeitura na quarta-feira após a Justiça expedir o mandado de prisão do prefeito Welligton José de Almeida (PMDB), conhecido por Elton, principal suspeito do crime juntamente com o irmão dele, Valdivino José de Almeida, o Bina. Os dois aparecem em imagem de vídeo do motel onde ocorreu o crime atirando emCurica e estão foragidos.
O delegado regional responsável pelo caso, André Medeiros, diz não ter dúvida da autoria do crime. Mas a motivação ainda continua um mistério.
As investigações também apontam a participação a primeira-dama do município, Eliane Cristina Vaz, que está foragida, e da secretária de Finanças da prefeitura, Renata Pereira Rezende. A secretária foi presa cinco dias após o crime e está na Cadeia Pública de Mara Rosa.
A polícia suspeita ainda da cunhada do prefeito e mulher do secretário de Saúde da cidade, Anésia Xavier Peres Almeida, que passou cerca de 1h20 com a vítima dentro da suíte 8 do Motel Glamour e, após os tiros no pátio, saiu sem prestar socorro ao suposto amante.

Câmara programa processo de cassação
Presidente da Câmara Municipal de Estrela do Norte, o vereador Vanderli Antônio de Macedo (PTB), acredita que não há chances do prefeito voltar para o cargo antes de completar o período de ausência de 15 dias seguidos, prazo necessário para configurar o abandono do cargo. Ele diz que os vereadores já programam o processo de cassação. “Estamos trabalhando dentro da lei para não deixar a cidade a ‘Deus dará’”, afirmou.
Entre as medidas tomadas pela Câmara estão o pedido de afastamento de Elton, assim como o bloqueio das contas da prefeitura, para que o prefeito foragido não tenha acesso. Macedo deu posse ao vice-prefeito de Estrela do Norte, Baltazar José Boaventura (PT), que responderá interinamente pela administração municipal. “Agora o vice já mudou a senha da conta e vai poder movimentá-la, para não prejudicar a comunidade”, afirmou.
Macedo preferiu não comentar a motivação do crime. Preferiu elogiar o amigo assassinado: “O maior político aqui de Estrela do Norte chamava-se Curica. Se tinha alguém que poderia derrotar esse prefeito (Elton) era ele”.

Família cobra punição para suspeitos
Na casa de Welligton José de Almeida (PMDB), conhecido por Elton, e sua esposa, Eliane Cristina Vaz, a aparência era de residência vazia, com janelas fechadas, porta suja de folhas e sem carro na garagem. No entanto, na tarde em que a equipe de reportagem aguardava em frente ao local, o portão eletrônico se abriu. Mas ao avistar o carro plotado do POPULAR, a pessoa no interior da casa fechou o portão rapidamente e não atendeu aos chamados posteriores.
Elton é dono de um supermercado na principal avenida da cidade, a uns 200 metros da prefeitura. Com a ausência dele, a irmã Flávia Almeida assumiu o negócio. Procurada pela reportagem, ela também preferiu não comentar o crime e o desaparecimento dos irmãos.
Na quarta-feira, a família de Geraldo Nicolau Filho, o Curica, se preparava para mais uma homenagem, a missa de sétimo dia. Entre uma providência e outra, a esposa da vítima, a empresária Lucivânia Lúcia de Andrade Nicolau, de 43 anos, mostrava fotos da trajetória política do marido e das férias da família. Ela se recusa a acreditar que tenha sido traída e fala com convicção em crime político. Muito emocionada, a viúva pede justiça (veja entrevista na página 5).
O clima de tristeza e revolta é marcante entre os familiares. “É muita covardia”, repetia aos prantos a irmã da vítima, Girlane Maria Nicolau, 47 anos. Indignada, a filha mais velha de Curica pedia a punição dos culpados: “Meu pai era uma pessoa boa demais para morrer daquele jeito”.
Poucas horas antes da missa, padre Marcelio Fernandes disse que estava perplexo com o crime. Afirmou que tinha amizade tanto com a vítima quanto com o prefeito, convivia de perto com os dois e não entendia como as coisas chegaram às “imagens dramáticas” mostradas pelos vídeos do circuito de segurança do motel.
“Nunca houve confronto entre os dois. Eles eram adversários, mas não inimigos. Pessoalmente, se cumprimentavam na cidade. O Elton nunca teve esse comportamento agressivo, mas o irmão dele (o Bina) já era temido”, explicou o pároco.
Forças policiais da região, que preferem não se identificar, acreditam ainda em uma terceira hipótese: queima de arquivo. “O Curica conhecia todas as entranhas dessa prefeitura. Ia disputar as próximas eleições e pode ter descoberto algum podre do Elton ”, disse um militar.

– Da Redação: Motta Filho com o Jornal O POPULAR (Gabriela Lima), edição de 09 de outubro de 2015.