Filhos e netos são os principais autores de crimes contra idosos, que se recusam a denuncia-los na polícia

Rosilda, de 83 anos, e a filha, Nilce, de 53, vivem juntas em situação grave de negligência, segundo a polícia

Para os idosos, a casa nem sempre é o asilo inviolável que a Constituição Federal prega. É dentro dela que a maioria das pessoas com 60 anos ou mais é agredida e quase sempre pelo próprio filho. Quando não, então o agressor é o neto, um genro, nora ou outro parente. Consequência direta disso é que os idosos se recusam a denunciar as agressões à polícia.
Em Anápolis, onde foi instalada a primeira Delegacia Especializada no Atendimento ao Idoso em Goiás, em maio de 2013, o delegado Manoel Vanderic Filho recorre à informalidade para conseguir resolver os casos. Dos 7.136 atendimentos feitos nesse período, apenas 213 viraram inquérito em Anápolis, o que representa 2,9% dos casos. “Quando a gente fazia o boletim de ocorrência, abria inquérito e encaminhava ao Judiciário, o agressor era condenado a pagar cestas básicas e quem acabava pagando era a vitima”, justifica o delegado. Em outros casos, a tramitação era tão demorada que a vítima não colhia o resultado da denúncia em vida.
É o caso do aposentado Lourival Tavares, de 65 anos, denunciou a filha Eliane, de 35 anos, na Delegacia do Idoso de Anápolis no final do mês passado. Usuária de drogas desde os 15, Eliane já protagonizou todo tipo de violência contra os pais: ameaça com faca, agressão verbal e física e roubo, inclusive da comida que eles iam comer. “Ela chega drogada de noite, arromba portas e janelas e quebra tudo na casa”, relata o pai, que dorme trancado em um quarto por medo da filha. A mãe, Maria de Fátima Toledo, de 72 anos, vive acamada. Ela não quer que a filha seja retirada de casa, mas que seja internada pela terceira vez e que os filhos dela, uma menina de 2 anos e um garoto de 14, sejam retirados da filha.
A visita da Polícia Civil a Tavares foi uma das que a reportagem acompanhou em 26 de maio. No mesmo dia, a delegacia recebeu outras 11 denúncias: seis feitas pelo telefone de forma anônima e cinco na própria delegacia. Segundo Vanderic, são diariamente de 10 a 20 denúncias.
Vanderic conta que a maioria das denúncias é resolvida por meio da conciliação entre os familiares, encaminhamento do idoso para abrigos, assistência social ou tratamento médico. Em dois anos, ele já encaminhou mais de 100 idosos para abrigos porque a família não tinha condição de cuidar.

Descaso
Um dos principais tipos de denúncia é de negligência. Condição em que se encontra Rosilda, de 83 anos, que mora com a filha Nilce, de 53. “Um dos casos mais graves que encontrei”, afirma o delegado. Elas moram em dois quartos separados no fundo da casa do filho de Nilce. O quarto de Rosilda não tem banheiro e no outro não há chuveiro. Em nenhum há janelas. A sujeira toma conta do local e das duas mulheres, que não tomam banho regularmente.
Segundo o delegado, Rosilda sofreu um acidente vascular cerebral sozinha no quarto e os familiares só ficaram sabendo mais tarde.
Essa foi a segunda vez que o delegado visitou as duas mulheres, que já viveram em condições ainda piores. Segundo ele, na visita anterior a família havia se comprometido a melhorar a situação delas, “mas pouca coisa mudou”, atesta Vanderic. “Elas vivem em condições subumanas, dormindo no chão, em uma espuma imunda, no meio de galinhas.” Segundo os vizinhos, as mulheres não aceitam ajuda. “A mais velha se arrasta pelas ruas, pedindo esmola, e elas não precisam disso”, relata a vizinha do lado. O delegado marcou outra audiência com os familiares das duas mulheres para cobrar o acordo firmado no ano passado. Nos casos de negligência, o delegado intima a família e impõe regras para a família cuidar dos idosos.
Segundo levantamento do Disque 100, canal de denúncia de violência da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, as mulheres idosas são as maiores vítimas de agressões. Em 2014, em Goiás, o Disque 100 recebeu 288 denuncias de violência contra idosas e 138 contra homens mais velhos.

– Da Redação: Motta Filho (com jornal O Popular).