Falta de apoio familiar e pouco estudo ‘obriga’ 90% da população trans a recorrer ao mundo da prostituição
O mercado de trabalho vem ficando cada vez mais concorrido, e sucessivamente mais complicado de se inserir. Quando se pertence ao ‘terceiro gênero’ então, o desafio é ainda maior.
De acordo com a Rede Nacional de Pessoas Trans do Brasil (Rede Trans Brasil) cerca de 90% das pessoas transexuais e travestis não têm trabalho formal, e, por isso, muitas acabam seguindo para o caminho da prostituição.
Lua Stabile, 25 anos , ativista da União Libertária de Travestis e Mulheres Transexuais, comenta que na maioria dos casos, quando uma pessoa trans se assume, normalmente no período da adolescência, ela é expulsa de casa, e muitas vezes até da escola. Este indivíduo que acaba de se descobrir, muitas vezes sem técnica e qualificação profissional, só vê saída na prostituição. “Não é escolha, é necessidade. No caso do homem trans, nem a isso ele pode recorrer”, pontua.
Em alguns casos, independente de sua escolaridade e bagagem profissional, ter identidade de gênero divergente da maioria é um fator para que empresas neguem oportunidades a este grupo. “O capitalismo padroniza as pessoas. O mercado dá certa prioridade à pessoa branca, heterossexual, e cisgênera”, diz a ativista.
Lua é formada em Relações Internacionais, e atualmente faz mestrado no Reino Unido, Inglaterra. Ela diz que só conseguiu ter acesso ao ensino, e conquistou certos lugares por se assumir como transexual tardiamente. “Não porque me percebi tarde, foi por estratégia mesmo, para não ser expulsa de casa, da escola, universidade… Me fechei dentro do armário para ter acesso às coisas que tive. Isso não é o certo. Todas as pessoas deveriam ter oportunidades sendo elas mesmas.”

Lua Stabile diz se sentir privilegiada por ter tido acesso aos estudos e a oportunidade de trabalhar na ONU. Mas para isso teve que se assumir como pessoa trans tardiamente. (Foto: Arquivo pessoal)
O único trabalho de Lua, após sua transição foi na ONU (Organização das Nações Unidas).
Por atuar no departamento das causas LGBT’s, ela diz não ter sofrido nenhum tipo de preconceito, já que trabalhava em conjunto com a área de Direitos Humanos, onde as pessoas já são mais informadas e até sensibilizadas com a causa. Ela acredita ser uma das únicas transexuais do Brasil, ou até do mundo, que não sofreu nenhum tipo de discriminação por conta de gênero.
Segundo ela, as pessoas costumam se basear em burocracias para serem transfóbicas. “Não respeitam o nome social, e não permitem a escolha de uso dos banheiros, por exemplo”.
Políticas Públicas
O mercado exige capacitação e busca um profissional pronto. Indicações e um diploma pesam na contratação. Esses fatores contribuem para continuar deixando a comunidade trans à margem empregatícia.
Segundo levantamento feito pela Trans Brasil, 84% de transexuais e travestis não chegam a terminar o ensino médio.
O pouco espaço no mercado para o grupo “T T T” se restringe a salões de cabeleireiros e operação de telemarketing. Onde o preconceito também se faz muito presente.
O Congresso Nacional, ainda muito conservador, se nega a discutir e propor leis que abordem temas de gênero e sexualidade. “ É algo que não consigo ver melhoras significativas pelos próximos cinco anos,infelizmente, dependendo de quem elegermos para presidente na próxima eleição”, diz o assistente de TI, Cauã Cintra, que é um homem trans. “A bancada evangélica também atrapalha bastante. Se conseguíssemos tirar isso, já que o Brasil é um Estado Laico, ajudaria muito e teríamos mudanças significativas e rápidas”, complementa.

Cauã Cintra entrou em uma empresa (que prefere não identificar) como Jovem aprendiz, antes da transição. Quando se assumiu, seus superiores não aceitaram bem a ideia. (Foto: Marcello Dantas)
Debate na Grande Mídia
Transexualidade tem ganhado certos espaços de debate nos últimos meses. Isso por conta de uma atual novela em Televisão aberta, onde mostra a transição de uma personagem. Indagada a respeito da representação, Lua Stabile diz não se sentir representada com a trama. Segundo ela, a novela pode estar mais confundindo do que informando a quem há poucos meses nem sabia o que viria a ser transgeneridade.
Já Cauã vê de forma positiva, e segundo ele a personagem desmistificou certos estigmas que a sociedade tem, e até sua família ficou mais aberta a debates a cerca do assunto.
A estudante Bruna Lima, 17 anos, não conhecia o termo transexualidade até o ano passado. “pra mim era travesti ou gay”. Agora garante já saber fazer a distinção. Segundo ela, que vê a novela como um meio de informação, a abordagem foi importante para que pudesse conhecer e gerar interesse sobre o assunto.

Na novela Global “A força do Querer” a atriz Carol Duarte interpreta o transexual Ivan, antes Ivana. (Imagem: reprodução TV Globo)
Classificação dos termos:
Travesti | Não se sente 100% pertencente a nenhum dos sexos. Por isso, o(a) travesti mantém características de homens e mulheres. Alguns vão mais além e se definem como um terceiro gênero. |
Transgênero | Assim como os travestis, não se identifica com seu gênero biológico. Mas antes de ser uma questão de orientação sexual, é uma questão de pertencimento sociocultural. |
Transexual | Seria uma radicalização do transgenerismo. O transexual é aquele que deseja alterar sua constituição biológica e fazer a mudança de sexo, sendo a cirurgia a única forma de se sentir totalmente identificado e correspondido na identidade de gênero que sente pertencer, mas que não o foi biologicamente atribuído. |
Iniciativas de mudança
Nos últimos anos, algumas empresas como o Grupo Carrefour, Banco do Brasil, L’oréal e P&G têm buscado diversificar seu corpo de funcionários. Segundo eles, oferecem capacitação com orientação profissional e formação especializada.
Esse já é um caminho na busca por melhor qualidade de vida da minoria trans.
Para algo mais abrangente, Cauã pontua que deveria haver uma lei, como por exemplo, de cotas para este grupo. E Lua Stabile complementa que a conscientização dentro das empresas, deveriam também acontecer, para as pessoas saberem lidar com o diferente, e assim proporcionar um ambiente mais confortável às pessoas transgeneras e transexuais.
– Por Larissa Lopes.